Lucas, o evangelista da misericórdia, insiste em mostrar a gratuidade de Deus para com os pagãos e pecadores, fazendo a misericórdia triunfar sobre a justiça. Em Lc 15 Jesus conta três parábolas de misericórdia. Para quem Jesus as contou? É interessante observar que Jesus não contou parábolas de misericórdia para converter os pecadores, mas para aqueles que se consideravam justos. Enquanto as pessoas de má vida vinham até Jesus para escutá-lo, os doutores da religião da época o desprezavam. Jesus era questionado porque partilhava a refeição com pecadores: “recebe pessoas de má vida!” Os que se consideravam puros questionavam a atitude de Jesus. São estes os principais destinatários das parábolas de misericórdia.
Entre as parábolas, merece destaque a parábola do “filho pródigo”. Porém, seria mais oportuno chamá-la de parábola do Pai misericordioso, pois o Pai está no centro da meditação.
Entre as parábolas, merece destaque a parábola do “filho pródigo”. Porém, seria mais oportuno chamá-la de parábola do Pai misericordioso, pois o Pai está no centro da meditação.
O filho mais novo é o símbolo do pecador, que não se contenta em estar na casa do Pai, pedindo a sua parte na herança. Mesmo a herança só podendo ser dividida com a morte do Pai, o mesmo a entrega para o seu filho que irá esbanjar todos os bens recebidos. Tinha ele o sonho de autonomia, de liberdade, de felicidade longe da casa do pai. Tudo isso não passava de ilusão. O pecado, portanto, é o mau uso da herança e da liberdade (falsa liberdade), é o afastamento da casa paterna. Da distância do Pai vêem as conseqüências: esbanjando tudo o que tinha, come as lavagens dos porcos e cai em si mesmo: “Quantos empregados do meu Pai têm pão com fartura? Vou voltar...” Reconhecer o pecado, ponto de partida: “... a mim, que antes blasfemava, perseguia e insultava. Mas encontrei misericórdia...” (nos diz São Paulo 1,13). Como São Paulo, o filho pródigo dá o passo fundamental: reconhece o seu pecado, reconhece as perdas de sua vida, é humilde para reconhecer, sente a falta da casa do Pai, propõe a si mesmo um retorno humilde, sem merecimentos: “vou voltar a casa do meu Pai!”
O Pai misericordioso reflete a atitude de Jesus, que come e bebe com os pecadores. O Pai fica esperando o seu filho. Talvez não acreditasse mais na sua vinda com tanta confiança, mas o espera, pois Deus nunca se esquece e sempre espera o retorno do seu filho. Quando o vê se adianta, movido de compaixão (expressão própria de Deus, usada na parábola do Bom Samaritano) se lança ao pescoço de seu filho. Não deixa o filho completar o discurso, pois as palavras não cabem em sua misericórdia. Apressa-se em trazer o novilho para a festa da comunhão, em devolver a dignidade com as sandálias, em evidenciar a filiação trazendo-lhe um anel ao dedo. Sobre os presentes do Pai, diz Santo Agostinho: “E o pai ordena que o vistam com a primeira veste, aquela que Adão perdera ao pecar. Tendo recebido o filho em paz, tendo-o beijado, ordena que lhe dêem uma veste: a esperança de imortalidade, conferida no batismo. Ordena que lhe dêem um anel, penhor do Espírito Santo; calçado para os pés, como preparação para o anúncio do Evangelho da paz, para que sejam formosos os pés dos que anunciam a boa nova”.
Vemos com clareza que Deus não está pronto para punir, mas para perdoar; não julga, mas espera o pecador em seu arrependimento. Alguns autores dizem que o Pai misericordioso da parábola seja mais uma mãe misericordiosa do que um pai bondoso, por sua atitude afetiva diante do filho.
A atitude do filho mais velho é a mais interessante para uma reflexão. Aqui encontra-se o ensinamento de Jesus aos seus interlocutores (fariseus e escribas). A imagem do filho mais velho ilustra bem a atitude do hipócrita, daquele que não se alegra pelo pecador que volta para casa: aquele que nunca fez festa com o pai, não compreende a festa do filho mais novo que reconheceu a grandeza da misericórdia de Deus. Também aqueles que nunca saem da Igreja devem estar atentos para não deixar de desfrutar da festa de Deus, da alegria de ser cristão, desprezando aqueles que experimentam o Deus de amor e bondade.
É interessante o questionamento deste filho rancoroso que se considera puro e perfeito: “Eu jamais desobedeci a qualquer ordem tua”. É o risco de um cristianismo de normas que só serve para trazer o alívio para a consciência. A atitude farisaica do cumprimento fiel é ainda muito freqüente. Basta um olhar rápido para as nossas comunidades e veremos muitos deste santos, tão preocupados com sua santidade que não tem energia para fazer o bem a comunidade e a sociedade. Santos que não deixam os pecadores se aproximar, que estão prontos para julgar, para apontar o dedo, para excluir. Numa comunidade farisaica não há espaço para os novos, para os jovens, para os convertidos, para novos agentes de pastoral. São estes os filhos que esbanjaram tudo, que não merecem a alegria da festa. Festa esta que nem sempre faz parte da alegria de quem se considera melhor do que os demais.
Jesus nos ensina a lição da gratuidade, da misericórdia, da superação dos julgamentos. Ensina a verdadeira imagem de Deus, ensina o caminho de todo aquele que se extravia para que retorne a casa paterna. Jesus nos ensina a sermos misericordiosos, pois seria muito triste experimentarmos a graça do amor e da alegria, a bondade acolhedora de Deus e, depois, tornarmo-nos duros e exigentes em relação aos irmãos.
Os pecadores acabaram o encontrando, enquanto os justos ainda estão o procurando. Os entendidos em religião não o acolheram, mas as prostitutas e ladrões foram tocados pelo seu amor. Encontremo-lo o quanto antes e façamos a festa do banquete da misericórdia.
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